sábado, 19 de novembro de 2011

Coração Caleidoscópio


Coração Caleidoscópio

Já era noite, ela estava na lanchonete do prédio. Era sábado, ela não iria sair com as amigas; estava muito cansada. A semana foi cheia de provas na faculdade e em seu trabalho houve muita preocupação. Estava sentada em uma daquelas mesas com cadeiras amarelas de marca de cerveja, comendo um salgado e bebendo refrigerante. No rádio escutava-se a suave voz de Sara Bareilles.
Ele estava no elevador, a caminho da lanchonete. Os amigos haviam saído, ele não estava com animação para bebida, musica alta e os foras das garotas. Apesar de todo seu bom senso de humor e sua ingenuidade, ele estava cansado de ficar sozinho no fim das noites – sozinho, levemente bêbado e triste.
– Boa noite, Seu João.
– Boa noite, meu filho. Vai querer o mesmo de sempre?
– Pode ser.
– Ora, o que aconteceu com o guri mais animado que conheço? Onde está sua animação, meu filho?
– Só estou cansado Seu João... Depois volto ao normal.
Seu João era o dono da pequena lanchonete que havia naquele prédio. Era muito amigo de Spencer, aliás, muito amigo de todos os jovens que ali habitavam. O prédio era como uma república, grande parte dos apartamentos eram para jovens universitários. Esses universitários viam Seu João como um companheiro para todas as confissões (quando estavam sóbrios ou não) e Seu João via nesses jovens pequenos aprendizes da vida, que tropeçavam várias vezes, mas por fim conseguiam encontrar o caminho certo.
– Está aqui meu filho – ele entregou em uma pequena bandeja um pedaço de pizza e uma garrafa de água com gás. Deu duas leves palmadas no ombro de Spencer e disse, com sua voz paternal de quem esta dando o melhor conselho que pode – Olha garoto, acho que precisa de uma moça hein? O que você acha?
– Precisar eu até posso, mas encontrar...
– Não diga isso! Ás vezes a pessoa certa está mais próxima do que você imagina! É só esperar, que vai aparecer.
– Esperar, esperar, esperar... Isso é o que eu mais faço na minha vida, Seu João.
Seu João riu, e disse, com seu tom acolhedor:
– Vá se sentar e coma, meu filho; já são onze horas da noite.
Ele se arrastou até a mesa ao lado de onde uma garota estava sentada. Ele nem sequer olhou, não queria saber se era bonita ou não, pouco importava; sempre levava um “Não!” sem mesmo abrir a boca.
Ela estava concentrada em mastigar seu salgado. Tinha vontade de chorar, mas só não sabia o motivo. A vida dela estava igual ao que planejou quando era adolescente, mas não tinha o principal: amor. Estava a caminho da profissão de seus sonhos, estava trabalhando no ramo de sua profissão, tinha dinheiro para sair, comprar suas roupas e ia aos fins de semanas á sua cidade reencontrar os pais, tinha a liberdade de viver pelas baladas, mas não tinha um alguém para períodos como esse; para deitar-se no ombro e passar o tempo ali, só vivendo o momento, nada mais. Uma lágrima rolou de seu olho. Viu a sombra de um moço sentando-se à mesa ao lado. Olhou para cima, e ficou admirada. Era um moço alto, magro, de cabelos lisos e castanhos. Tinha o nariz pontudo e uma expressão triste. Os olhos eram castanhos escuros, era o que ela suspeitava. Ficou olhando, de rabo de olho. Ele se jogou na cadeira, parecia estar muito desanimado. Colocou a mão, sem olhar, no lugar onde a maionese sempre ficava. Quando foi levar a maionese até sua pizza, percebeu que não tinha nada em suas mãos. Ela riu, e tapou a boca, quando percebeu que ele havia notado-a.
Ele passou a mão no cabelo, com expressão de desajeitado, e levantou-se, indo à direção dela.
– Er... Oi... – ele disse, envergonhado. Você pode me emprestar um pouco da sua maionese, a minha acabou, não sei se percebeu.
Ela riu, e ficou avermelhada. Pegou a maionese e entregou na mão dele. Quando ele foi pega-la, as mãos de ambos se tocaram. Ficaram mais encabulados. Ela tremia e soava. Ele estava pior que ela, pois tinha medo da rejeição.
– N-Não quer se sentar aqui? Ela empurrou uma cadeira com o pé.
– Bom, se você me deixar usar toda sua maionese... Ele falou e fez aquela cara de atrapalhado que havia feito quando pegou a maionese-invisível.
Ela riu, e afirmou com a cabeça. Ele pegou a garrafa de água com gás, e sentou-se na mesa.
Ficaram ali, acanhados, tentando concentrar-se em comer, mas não conseguiam. Às vezes os olhares se perdiam, e encontravam-se, um com o outro. Assim, viravam o rosto e fingiam que nada aconteceu.
– Hm... Você gosta de Bareilles? Ela perguntou, gaguejando.
– O que é isso? Ele se assustou.
– Sara Bareilles... Cantora... Que está tocando as músicas agora no rádio do Seu João.
– Ah sim! Não. Mas ela tem uma voz bonita. Você gosta?
– Fui eu que gravei o CD e pedi para que Seu João deixasse tocar enquanto estivesse aqui... Ela olhou para baixo e riu.
Ele olhou para ela e os cantos de sua boca se curvaram para cima. Ficou analisando ela e sua expressão passou a ser de bobo.
– Você está fazendo o que?
Ele chacoalhou a cabeça, e perguntou o que ela havia dito. Ela deu um sorriso e repetiu a pergunta.
– Estou comendo a pizza. Ele deu um sorriso de satisfação.
– Não, seu bobo! O que você está fazendo na faculdade, que curso está fazendo. Entende?
– Ah sim... Er... – ele olhou para cima, colocou a mão no queixo e depois bagunçou o cabelo. – Esqueci... – e olhou com cara de confuso. Quando olhou nos olhos dela, viu que ela estava com o olhar fixado nele. Ele olhou para baixo, acanhado. Não sabia o que fazer.
– Oh, me desculpe! Ela disse, quando percebeu que ele estava sem-graça.
– Não, imagine...
Ficaram em silêncio. Ela olhou para o relógio no alto da parede e já era meia-noite.
– Nossa, está tarde! Não estou com sono; estou adorando sua companhia; mas tenho que entrar. Olhou para ele com um pesar nos olhos e um bico de tristeza nos lábios.
– Não entre, continue sendo a minha companhia dessa noite! Ele disse e pegou na mão dela, com um sorriso de criança nos lábios. Ela olhou para baixo, envergonhada, com o coração a mil e a vontade de pular nos braços dele. Quando percebeu o que tinha feito, ele arregalou os olhos e se perguntou, intimamente, como havia conseguido fazer aquilo.
– Não posso, meu anjo. Espere só um pouco, vou pagar o Seu João. Ela se levantou, pegou o prato e a garrafa de vidro e foi até o balcão. Ele automaticamente se levantou, pegou sua bandeja e a garrafa de água e ficou ali, olhando ela e toda sua alma iluminada.
– Vou subir, Seu João. Está aqui o seu dinheiro. Beijo, boa noite! Ela deixou o prato, a garrafa e o dinheiro ali em cima. Seu João agradeceu e retribuiu o “Boa noite!”. Ela foi em direção ao garoto.
– Esqueci de perguntar seu nome... – ela se aproximou dele. Ficaram frente á frente. Ele era bem mais alto que ela; a cabeça dela ficava na altura de seu peito. Ela procurou olhar no fundo dos olhos dele; quando os olhares se encontraram, acabaram se misturando e tornando esse momento extasiante.
– Meu nome é Spencer. Spencer Bovary. Mas o pessoal, quer dizer, meus amigos, me chamam de Bovary. E o seu?
– O meu é Marie-Louise – ela riu. Brincadeira. Meu nome é Louise mesmo. Gostei do seu nome, muito bonito e exótico. Queria um nome assim – fez um bico.
– Então vou te chamar de Mariouise, pode ser? Ele levantou a sobrancelha esquerda.
– Prefiro de Ís mesmo – riu. Agora vou subir. Boa noite, Spencer! Ela ficou na ponta dos pés e deu um beijo demorado na bochecha direita dele.
– Boa noite, ele sussurrou. Estava estonteado com o cheiro, com a textura dos lábios dela, com a sutileza que ela tinha. Ficou ali, parado, viajando com as lembranças dela. Ela foi caminhando vagarosamente até o interior do prédio.
– Ei guri, venha aqui logo que vou fechar o quiosque! Seu João falou em tom alto.
Spencer chacoalhou a cabeça e foi até Seu João. Colocou o dinheiro e a bandeja em cima do balcão e ficou olhando Louise ir.
– Ela esqueceu o CD comigo... O que está esperando pra ir levá-lo para a sua dona? Seu João sussurrou, empurrando o CD até Spencer.
Ele não pensou duas vezes. Pegou o CD e correu até o elevador. Correu o mais rápido que podia, pois a garota não estava mais em sua vista.
Quando chegou até o elevador, se tivesse perdido o impulso, iria dar de cara com a porta. Ele entrou correndo, e por um triz não ficou para fora. Assim que entrou, trombou com ela.
– Desculpe, mas vim te devolver isso – estava com a respiração ofegante, levantou o CD e mostrou-o.
– Nossa, meu CD! Você me fez esquecer completamente dele – ela o pegou e riu. Obrigada, muito obrigada!
Ele estava frente a frente com ela. Com uma mão como apoio, encostada no espelho do elevador, e a outra mão encostada na parede, há poucos centímetros da cintura de Louise.
– Lembrei o que faço. Ele sussurrou, olhando nos olhos dela. – Faço artes plásticas. E você?
Ela não conseguia prestar atenção em nada do que ele falava. A voz dele soava como música, os lábios dele dançavam, como se estivessem pedindo o toque dos seus.
– Eu faço o que você quiser. Ela respondeu, seguido de um suspiro.
O canto esquerdo do lábio dele se curvou, mais uma vez. Ele não sabia o que responder, não sabia o que fazer. Sentia-se envolvido pela mágica que aquela garota tinha; só conseguia olhar para ela e agradecer á Deus por ter a oportunidade de vê-la. Ele aproximou mais seu rosto ao dela; fechou os olhos e respirou fundo. Quando os lábios começaram a se roçar, a porta do elevador se abriu. Ele olhou para trás, e ela deu um suspiro de tristeza. Louise fez gesto com os braços para que eles saíssem juntos. Ele assentiu com a cabeça e os dois seguiram até a porta do apartamento dela.
– Bom... Está entregue, Madame Bovary! Ele indicou com os braços a porta do apartamento e logo colocou as mãos no bolso (para não demonstrar o tremor delas).
– Madame Bovary? Adorei! Isso é uma alusão ao livro de Gustave Flaubert, ou por que seu sobrenome é Bovary? Ela deu um sorriso malicioso. Ele riu, envergonhado. Moveu a mão do bolso ao cabelo, para bagunçá-lo. Ela mexeu nos babados de sua saia, olhando para baixo e com o sorriso no mesmo tom de malícia.
– Eu gostaria de te fazer a minha Madame Bovary. Mas por você ter o meu sobrenome, não pela personagem de Flaubert. Ele, pela primeira vez, falou com expressão e tom de seriedade para ela. Seus corações davam pulos, suas mãos pareciam ter se acostumado no dever de tremer. – Agora vá, entre. Já são meia-noite e meia. Hora do seu sono de beleza. Ele disse isso e deu um beijo assim como o dela.
Ela permanecia imóvel. Seu corpo parecia estar petrificado, apenas seu coração e suas mãos tinham movimento. Ele foi caminhando até o elevador, até que ela o chamou.
– Spencer! Calma, não vá. Tenho duas coisas para você! Ele se virou rapidamente, com um sorriso suave no rosto. Ela foi até ele.
Pegou o CD nas mãos e deu um beijo em sua capa branca de papel, deixando a marca de seus lábios com o batom rosa. Ergueu os pés, colocou a mão sobre seu ombro e lhe deu um terno beijo.
– Agora sim você e eu podemos ir dormir. Boa noite, meu anjo. Espero te encontrar amanhã. Sussurrou no ouvido dele, deu as costas e entrou no apartamento.
Ele ficou ali, com uma das mãos segurando o CD e a outra nos lábios. Parecia um sonho, parecia irreal; e ele estava sentindo uma sensação diferente. O coração doía de tanta felicidade. Ele queria pular, gritar, bater na porta de Louise e a pegar em seus braços e tê-la para sempre. Mas a única coisa que conseguiu fazer foi ficar daquele jeito ali, em frente ao elevador.
Ela entrou no apartamento, trancou a porta, encostou a cabeça na porta e deitou no chão. Conseguia sentir o pulsar do coração, e seus lábios pareciam implorar por mais, por mais um beijo, por mais Spencer. Ela foi até o sofá, pegou uma almofada, enfiou a cara nela e começou a gritar. Pulava no ritmo das batidas do seu coração. Sentia vontade de voar, de abrir a porta, correr até ele e pedi-lo em casamento. Ela parou, pensou e falou para si mesma:
– Casamento? Mas eu acabei de conhecê-lo! Ei coração, acalme-se! Mas ele é tudo de bom...
Ela se jogou no sofá, tirou sua blusa e ficou a cheirando – estava com o cheiro dele, por incrível que pareça. Uma de suas mãos segurava a blusa, a outra acariciava seus lábios.
Enquanto isso, ele conseguiu voltar ao normal. Apertou o botão do elevador e rapidamente o próprio chegou. Entrou e encostou-se a um dos cantos. Quando chegou em casa, trocou de roupa e foi deitar-se. Virava de um lado para o outro, mas não conseguia dormir; era muita felicidade. Teve uma idéia.
Ela havia pegado no sono, até que o telefone tocou. Levantou a cabeça e viu o relógio, marcava 01h15min da manhã. Resolveu atender.
– Alô? Disse, com voz de sono.
– Madame Bovary, sou eu. Consegui seu telefone na portaria do prédio. Desculpe ligar essa hora, mas eu queria muito que viesse até meu apartamento. Quero que fique comigo vendo as estrelas e quem sabe o nascer do sol. Por favor, venha! Não consigo dormir, e você é a pessoa qual eu daria tudo para ter agora ao meu lado. Ah, meu apartamento é o 37, no terceiro andar. Beijo, tchau.
Depois de aproximadamente dez minutos, a campainha de Spencer tocou. Quando abriu a porta, Louise estava ali, com seu pijama rosa de ursinhos e uma jarra grande com suco de laranja natural. Uma paisagem divina.
– Posso entrar? Ela perguntou. Ele assentiu com a cabeça, então, abraçaram-se.